sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O ARTÍFiCE Richard Sennett

É bastante impressionante a organização interna do livro, a maneira que Sennett vai e volta pelo tema coordenando, modulando, ritmando episódios para tratar de seu objeto. Há uma imaginação musical na ordem maior do livro. Em vários momentos encontramos Sennett organizando o texto de uma forma mais acadêmica, mais aristotélica, com a divisão em tópicos, enumerações, dignidades e hierarquias. Francamente não consegui definir se este é mais um elemento de ritmo, como um contra-ponto em relação à fluidez ensaística, ou uma desarmonia. Há determinada beleza matemática em uma organização textual aristotélica, além de aparentemente um compromisso ético com a clareza, e talvez isto compense a perda de beleza textual, mais propriamente estética, que um texto sem os limites hierárquicos teria. Por outro lado, há a impressão de uma certa timidez, como um salto final - e arriscado - sempre adiado em direção ao ensaístico e ao artesanato mais complexo do texto. Quanto ao ensaístico, o texto de Sennett é excepcionalmente leve para um autor com sua cultura, embora incomode um pouco a liberade ou sua absoluta falta de preconceito entre low e high brow. O modelo, no entanto, e isto é bem claro, é a tradição de Montaigne, o que justifica em absoluto estas invocações.

Quanto ao tema propriamente dito, ele me toca de forma pessoal e profunda, mas ainda assim me pergunto até que ponto é viável propor aquilo que Sennett chama de artífice - que não é exclusivamente o trabalhador manual especializado - como o modelo básico da dinâmica de conhecimento. O gande mérito do livro é se estruturar em torno da preocupação com uma ética do trabalho em suas dimensões comunitárias, subjetivas, epistemológicas, etc etc, e propor esta ética - esta consciência e prática - como a base da sociabilidade e um dos motores da história. É um livro não tanto sobre conhecimento, mas sobre saberes e sabedoria. Há 2 problemas importantes, centrais, e alguns marginais nessa tese. O primeiro problema importante diz respeito a sua insistência no trabalho enquanto rito social, tirando a solidão da equação. A condição moderna, tanto nossa sensibilidade quanto nossa relação com o conhecimento, é um diálogo solitário ou ao menos um diálogo com a solidão. Este é um fato central e prenhe de consequências, e deve ser abordado em um estudo sobre o trabalho, mesmo que a preocupação seja com o "bom trabalho". Sennett se refere a todo instante à dialética de detecção-solução e criação de problemas enquanto processo individual, mas não comenta a condição necessariamente alienada do homem moderno.

O segundo limite diz respeito a sua intencional (conforme ele deixa claro ao fim do livro) negação da criatividade como fator importante em uma dialética do trabalho, tanto a que vem da idéia romântica de gênio quanto aquela corporativo-capitalista que serve de base para a ideologia da competição e a meritocracia, e isso obscurece a compreensão da dialética do trabalho. A justifica é que o autor parte do princípio de que qualquer ofício é apreensível. Mas, eu diria que é esta criatividade um dos valores mais importantes para o distinto, o diferente, o peculiar, ou seja, toda a dimensão da identidade irredutível que foi justamente uma das grandes preocupações da filosofia do século XX. Preciso deixar claro que considero absolutamente necessário a valorização dos aspectos comunitários, impessoais a não-alienados tanto no trabalho quanto em qualquer outro campo. Mas quanto àquilo que é radicalmente único e incomunicável faz parte de nós tanto quanto o comunitário, e a criatividade é uma de suas divindades. Além disso, todo o campo da arte e do aurático está excluído se tiramos a criatividade da equação...

Uma última nota: Benjamin é citado muito pouco em um livro cujo tema dialoga constantemente com sua obra, pelo menos naquilo que se refere a interesses comuns. Sennett foi aluno de Arendt a vida inteira, o que torna a não-citação algo estranho.



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