sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ENSAIOS DE LITERATURA OCIDENTAL, Erich Auerbach

Estes ensaios em conjunto acabam com o mesmo nível de Mímesis ou de qualquer outra obra de Auerbach sobre Dante, mérito tanto dos organizadores quanto do autor. É de longe um dos maiores ensaístas do século XX. Não se propõe, obviamente, aos malabarismos teóricos da crítica francesa ou da hermenêutica, mas é invariavelmente profundíssimo. Poderíamos apontar talvez o sentido do livro dizendo que "Ensaios..." trata da fundação da Literatura Ocidental, ou pelo menos, através de uma panorâmica sobre certos momentos importantes, como Dante, o classicismo francês ou Baudelaire, há a apresentação de certas forças subterrâneas que Auerbach propõe como estruturadoras da mente Ocidental: em primeiro lugar sua grande contribuição para a história da literatura, o "sermo humilis" cristão, o registro menor da linguagem que permitiria 800 anos após a queda do império o surgimento de uma literatura em vulgar, com os trovadores, Francisco de Assis, e, finalmente, Petrarca e Dante.

Apesar da importância dos ensaios sobre o "sermo humilis" e a continuidade da cultura romana na Europa medieval, o ensaio sobre Montaigne é a obra-prima dentro da obra-prima. Nele há a compreensão de como surge a figura do escritor e de todas condições para sua existência. O homem culto, mas não especialista, que fala abertamente para outros homens cultos é a grande idéia renascentista que ficaria de legado para o futuro. É no escritor que está a base da sensibilidade criativa ocidental a partir da modernidade, a ponto talvez deste papel propor um modelo imitativo laico, um caminho para salvação que não passa pelo Cristo ou a mísitca.

O livro de Auerbach trata da fundação da literatura Ocidental, mas tarta também do sentido possível deste termo "literatura Ocidental". Auerbach parece propor que a cultura do Ocidente se forma através da transição de dois momentos, ambos se referindo diretamente à influência que a teologia cristã, especialmente o discurso público desta teologia, tem sobre a cultura. O primeiro momento seria o da transição da alta cultura latina para a cultura cristã, ela própria, segundo auerbach, uma forma baixa de cultura latina. O longo processo de amálgama e crítica desembocaria no surgimento das literaturas em vulgar no fimda Idade Média.

O segundo momento é a evolução natural e atualização deste longo movimento, quando, no renascimento, se incia a possibilidade de uma cultura laica, não religiosa e nem tematicamente ligada ao tema da redenção. Os humanistas e Monataigne em um primeiro momento como os propagandistas deste novo espírito, e mais tarde Pascal, e os maneiristas como herdeiros críticos deste ensaio de uma cultura não-religiosa. É um pouco ambíguo, especialmente no ensaio sobre Pascal, quanto é relamente possível uma cultura compeltamente laica, ou seja, uma cultura que não se precoupe com culpa nem redenção humana. Em termos textuais a cultura Ocidental a partir do Renascimento é a evolução da linguagem menor proposta pelo cristianismo pós-Roma. Em temros temáticos, do sentido do que se esceve, é necessário perguntar se cada história e cada poema desencantado não busca secretamente um fim para si, e nesta teleologia não abraça de novo, ainda que transfigurado, o ideal cristão e a imitação de Cristo.

Nos ensaios há a exclusão da cultura inglesa e alemã. segundo a área de atuação de Aurebach. É uma pena, porque exatamente a literatura inglesa do século XIX e a alemã a partir do expressionismo seriam o tubo de ensaio para o terceiro momento possível deste diálogo com o cristianismo, qual seja, seu esquecimento em nome de um novo motor espiritual. Definir este motor, entender como se relaciona com o milênio e meio que o precedeu é a tarefa imensa dos novos Auerbachs, que, quiçá, levarão alguns séculos ainda a entender o que nos move agora.