quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
VEREDICTO EM CANUDOS Sándor Márai
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
CIDADE DE QUARTZO Mike Davis
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
MANEIRISMO Arnold Hauser
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
O ARTÍFiCE Richard Sennett
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
FIGURAS DA IMANÊNCIA François Julien
domingo, 29 de novembro de 2009
O CICLO DAS ERAS Eric Hobsbawn
terça-feira, 24 de novembro de 2009
O INSTANTE CONTÍNUO Geoff Dyer
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
VENENO REMÉDIO José Miguel Wisnik
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
MULTIDÃO Toni Negri e Michael Hardt
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
ANGELS IN AMERICA, Tony Kushner
Há alguns anos, um dramaturgo americano, Tony Kushner, foi responsável por uma pequena (muito pequena) revolução no teatro ao escrever seu “Angels in America”, drama em duas partes que misturava cultura gay, política da era Reagan e a grande ironia metafísica de anjos desesperados não porque deus está morto, mas porque se ausentou. É bastante interessante encontrar uma peça que dialogue de maneira tão constante e consistente com Walter Benjamin. A questão é que, a começar pelo anjo meio irônico que pede a paralisação da história (em uma referência bastante direta ao “Angelus Novus” de Benjamin), estamos diante de um objeto estético que muito facilmente entra na farsa. Creio que o problema quase incontornável de Kushner esteja em como utilizar uma matriz tão profundamente revolucionária quanto a da obra de Benjamin – que tem um compromisso radical com uma revolução socialista- para falar politicamente do “esquerdismo” ou do liberalismo americano, muito mais complacente, um degrau abaixo da mais branda social-democracia.
Vou me limitar ao comentário político porque de resto a peça é quase perfeita: da aposta nos efeitos especiais cênicos, aos diálogos, à urdidura da ação. Há muito o que dizer, enfim, mas o que mais chama a atenção é a espécie de “idéia fora do lugar” na utilização da obra de Benjamin.
Em primeiro lugar são duas peças distintas, apesar de uma ser continuação da outra. A primeira parte, “Millenium Aproaches”, é um drama sobre solidão e fracasso humano, sobre uma praga, a AIDS, mentiras e covardia. Um resumo da era Reagan segundo a visão de Kushner. A segunda parte, “Perestroyka”, é uma comédia. Kushner chama a atenção no aviso aos encenadores que não chega a ser uma farsa, mas há aí certo engano. Toda a profunda dor humana da primeira parte, que teria um final melhor trágico – e então tocando possivelmente o pensamento histórico de Benjamin-, é diluída em uma série de soluções ex machina. Talvez evitar a grandiloqüência da morte e da tragédia e optar pela esperança, pelo “mais vida” da bênção que é o cerne da segunda parte, seja uma solução madura e mesmo politicamente mais inteligente (pensando aqui a peça como também documento político, como afirmação de uma posição ética), mas que acaba descriando a trama do abismo histórico projetado e pensado por Benjamin. Neste o pesadelo da história é uma esfinge a ser desafiada de maneira franca antes da liberação e ressurreição do humano.
Na segunda parte da peça este abismo é evitado. É interessante pensar que o céu aonde o protagonista vai para dialogar com os anjos perdidos (representado como as ruínas da cidade de São Francisco, uma das mecas da cultura gay e subversiva de um modo geral na América) ainda é o repositório da experiência humana: apesar de tudo ainda há simpatia pelo homem, pelo caminho luciferino e mutante do homem. Mas é isto que Benjamin sonha como o momento messiânico nas teses sobre a história? A chegada do Messias não é propriamente o momento em que “simpatia” é possível, mas sim aquele mais difícil em que ela não é mais necessária, nem a fé, pois o conhecimento e a memória já não são destruídos e cada ruína fala.
Este pequeno deslize meio sentimental diz muito sobre a dificuldade americana de localizar a própria experiência coletiva em relação à experiência mais radical, aos sonhos mais violentos de liberdade que outras partes do mundo alimentaram. Imaginar que o pináculo da história, que o progresso, virá da democracia burguesa que a América do Norte alimentou e desenvolveu em seus momentos mais generosos é quase má-fé. É especialmente desligar a experiência histórica de suas raízes mais poderosas, os ciclos de destruição e ressurreição, de sacrifício trágico e luta constante contra o caos e o absurdo – o que é prometido na primeira parte mas não cumprido na segunda. “Perestroyka” é então uma peça que fracassa num certo sentido, como a segunda parte do “Fausto” fracassa por ter uma incontornável paixão pela esperança descarnada, burguesa, pacífica. A questão é que não há uma boa teoria para avaliar artisticamente esta opção pela vida pacificada. O trágico será sempre mais nobre que a comédia, em parte porque, ao contrário do que possa parecer, é ele que consegue tocar o cerne da esperança, que é o desespero. (originalmente publicado na revista pequena morte: pequenamorte.com )