segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

LIÇÕES SOBRE OS 5 CONCEITOS DA PSICANÁLISE Juan D. Nasio


Nasio é um grande comentador de Lacan, essencialmente porque tem o compromisso com a clareza. Mas isto é pouco. É grande comentador também porque, apesar deste compromisso - ou talvez exatamente por isso - não dilui nem desproblematiza a psicanálise de Lacan, especialmente, mas também a de Freud, o que seria uma tentação para qualquer um. O grande problema é que seu comentário, para que seja de fato utilizável, ou seja, para que seja possível se tornar um elemento de diálogo e de reflexão mais do que simplesmente um instrumental superficial, exige a leitura exaustiva de Lacan, como de resto qualquer outra coisa que se refira a ele.

Talvez seja esta obstrução o verdadeiro elemento dialógico para alguém como eu, que não teve uma leitura muito extensa da obra lacaniana. A interrogação a estas obras monumentais que não se revelam aos poucos, mas tão somente em bloco e através de esforço contínuo. É um índice de um fracasso fundamental para um escritor que ele precise de milhares de páginas para dizer? A mim alguns como Hegel e Heidegger se encaixam nesta categoria, e há um traço mistificador aí, nesta absurda preocupação pelo fechamento, pela minúcia, pela arquitetura meio rococó, em que a complexidade está tanto no grande plano quanto no detalhe do adorno. Este é o contrário também da grande literatura, em que necessariamente temos a profusão, e o detlhe, e o adorno, mas também a redudância e a repetição daquilo que seja o "isso" do autor como um vício amoroso do estilo. Por trás de Dom QUixote temos sempre a alienação, por trás de Shakespeare sempre a reflexão sobre o poder e a pulsão, sobre desejo, enfim, e isso em qualquer outro grande autor, com seus vícios e dilemas.

Mas em Lacan, qual seria ete mínimo possível que move a obra? Talvez o gozo ou o "Grande Outro", ou o objeto "a", e de fato estes conceitos cercam sua obra e servem como nós de comunicação com outros e outras experiências, como numa sucessão de mutações. Mas parece sempre necessário, ou pelo menos é isso o que a intuição diz, ler todos os seminários escritos para que a promessa nunca cumprida de um sentido, ou pelo menos uma igualdade terminológica qualquer, como a=c, seja atingida. Obviamente, este não-fechamento será também uma virtude estilística, o que levará o estudo de Lacan ser mais um sacerdócio e uma exegese (como o de Hegel e de Heidegger, aliás) do que propriamente um exercício ou um diálogo, e seria aí que estaria a generosidade do gênio e talvez sua garantia de permanência, mas quem saberá dessas coisas? O argumento de que o objeto do texto é complexo me parece falso. E, enfim, há Freud, que se repete a cada livro e que se dá à leitura sem a necessidade de malabarismos.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O OUTONO DA IDADE MÉDIA Johan Huizinga


O livro de Huizinga é, a princípio, uma resposta ao de Burkhardt. E se este definiu nossa imagem do Renascimento, Huizinga fez o reflexo crítico desta imagem. Os períodos históricos e as regiões são distintos, mas a desculpa inicial para o livro, de entender o contexto de surgimento de Van Eyck e os outros mestres holandeses a torna, como a de Burckhardt, uma destas obras que homenageiam a grande cultura, uma tentativa de entendimento de como determinado Zeitgeist produz determinada grandeza.

Eu me referi anteriormente à superioridade clássica de Burckhardt em relação a este livro de Huizinga, devido especialmente especialmente a um certo pudor do último em não extrapolar, em se justificar excessivamente. E, de fato, a obra-prima de Huizinga seria uma obra menor e em tudo menos pretensiosa, e, talvez, por isso mesmo, mais livre, seu "Homo Ludens". É o caso de esclarecer que o "Outono..." é, por qualquer parâmetro, um livro genial. Ainda é um texto que se preocupa demais com os "porquês" das ações humanas, o que a essa altura e após tantas décadas de cinismo é uma virtude. E neste cuidado ele chega a uma dimensão francamente espantosa - no sentido que inspira, projeta sua sombra sobre o pensamento - da vida medieval: a do profundo desespero por beleza na vida.

Chegar bem a esta idéia, a de que uma era inteira desesperou pela ausência de beleza na vida e tentou a cada instante encontrá-la e criá-la, tem ressonância neste tempo em que vivemos. Mais que isso, é o tipo de descoberta que paralisa, que obriga à consideração. Trazendo de novo Burkhardt à baila, esta ânsia de beleza é um elemento constante de sua história, quase que a razão de ser do homem renascentista. Mas, no caso dos homens do "Outono...", esta ânsia é contraposta à brutalidade medieval, que é pano de fundo, DNA e essência da época. A ânsia de beleza, em contraste com esta brutalidade endêmica, ganha uma dimensão trágica e absurda. Poucos autores fora da literatura criativa têm a capacidade de dotar idéias de peso estético. Huizinga o faz, tanto nos excursos da idéia de desespero de beleza quanto em outros momentos do livro. Talvez ele não tenha sido o primeiro a dotar a descrição "científica" da realidade de dimensão estética, mas o faz de forma profunda e autêntica, o que poucos, com a excessão talvez dos historiadores clássicos, conseguem.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

NOITES DO SERTÃO João Guimarães Rosa


"Noites do Sertão" pertence àquele gênero de narrativa burguesa, sutil e psicológica, mas com o sabor da linguagem de Rosa. São 2 novelas menores, em relção tanto aos contos e a Grande Sertão, que são obras-primas, como de Manuelzão e Urubuquaquá. Isto é dito como uma forma de situar o local das obras, pois são grandes livros de qualquer maneira.

A particularidade das duas é uma pegada psicologizante, com a utilização de um recurso raro em Rosa que é a vocalização dos fluxos de pensamento. Funciona bem, mas há uma perda aí, como uma espécie de ceticismo em relação ao poder da narrativa: o efeito é percebermos a todo instante que estamos no jogo narrativo, que aquilo são personagens. A meta-discussão é feita geralmente de uma forma mais poderosa em Rosa, mais radical, talvez, que geralmente nos induz que a narrativa é a vida. Em "Noites do Sertão" não temos esta dimensão.

Ambas novelas são uma discussão sobre o amor e a sexualidade, de forma sutil como não poderia deixar de ser em um mestre como Rosa, mas ligeiramente mais explícito do que no resto de sua obra. A primeira,"Dão-Lalalão, é a história de um casal, um vaqueiro e uma ex-prostituta. Há ainda os traços do idealismo de Rosa - eles se apaixonam à primeira-vista, ele a retira do bordel, são felizes, ela é subserviente, etc. Este não é um idealismo raso, pois, como talvez em o "Livro dos prazeres", de Clarice, temos os aprendizado de uma alteridade amorosa que não é destrutiva, ou seja, o aprendizado da felicidade. Soropita, o vaqueiro, é testado na memória e na peripécia da novela, o encontro com um antigo companheiro que poderia reconhecer a ex-prostituta em sua esposa, é testado a provar seu amor por Doralda. Em nenhum momento ele a despreza ou se arrepende, e é neste curto-circuito que Rosa cria a tensão, pois qualquer outro autor não resistira à tentação de explicitar o conflito de trair o outro diante de uma humilhação. E nesta fidelidade, que se dá também através da audição do passado de Doralda e da exigência de seu próprio desejo, e, finalmente, à consciência de uma amor físico e dos ritos deste amor, nesta fidelidade temos o cumprimento da felicidade humana.

Falta ainda na tradição crítica pensar a função deste idealismo em suas várias dimensões na grandeza de Rosa. Em parte é trabalho antipático, pois nos abrigaria talvez a concluir que este idealismo e seus mecanismos ás vezes reacionários - conservadorismo político e social, celebração do arcaico, oposição ao câmbio, o terror à transformação - são exatamente o que permitem criar a tensão narrativa diante do oposto destes atributos. O dom de Rosa para nossa cultura, para além de sua linguagem, talvez passe pela conclusão bastante madura de que a única maneira de construir (e celebrar) uma alteridade e um mais além, seja erótico, seja político, é aderir à grande tradição do Ocidente, ao idealismo. É a homofobia de Riobaldo que permite dar a dimensão plena da homessexualidade, é o travestismo de Diadorim que aponta para uma feminilidade plena. Esta grandeza do negativo só é possível por sua genialidade, sua genialidade só é possível porque seu pensamento só concebe estes concertos a partir do idealismo ocidental.

A segunda novela, "Buriti", é uma espécie de reencenação das "Afinidades Eletivas" com as trocas de casais e liberdade sexual que não destrói, mas libera. O grande tema da novela, diferente de Dão-LAlalão, não é a felicidade, mas sim o desejo. A alegria do desejo, talvez, e o que então é raríssimo em Rosa, a ênfase na natureza do desejo feminino. Há um óbvio traço freudiano na narrativa, com as referências ao grande Pai arcaico, ao incesto e à homosexualidade (feminina). "Buriti" é uma espécie de exploração das fantasias freudianas e seu jogo com o universo do próprio Rosa. Há certo ganho e certa perda, especialmente devido ao efeito que provoca o lento afastar-se da "normalidade" superficial para o profundo do desejo, que é um movimento contínuo, quase como uma câmera. A impressão que fica é que "Buriti"é uma tentativa de experimentação por parte de Rosa com a literatura que vinha começando a surgir após o fim do modernismo e do período heróico do regionalismo, especialmente com gente como Clarice, Lúcio Cardozo ou Dyonélio Machado.