Nasio é um grande comentador de Lacan, essencialmente porque tem o compromisso com a clareza. Mas isto é pouco. É grande comentador também porque, apesar deste compromisso - ou talvez exatamente por isso - não dilui nem desproblematiza a psicanálise de Lacan, especialmente, mas também a de Freud, o que seria uma tentação para qualquer um. O grande problema é que seu comentário, para que seja de fato utilizável, ou seja, para que seja possível se tornar um elemento de diálogo e de reflexão mais do que simplesmente um instrumental superficial, exige a leitura exaustiva de Lacan, como de resto qualquer outra coisa que se refira a ele.
Talvez seja esta obstrução o verdadeiro elemento dialógico para alguém como eu, que não teve uma leitura muito extensa da obra lacaniana. A interrogação a estas obras monumentais que não se revelam aos poucos, mas tão somente em bloco e através de esforço contínuo. É um índice de um fracasso fundamental para um escritor que ele precise de milhares de páginas para dizer? A mim alguns como Hegel e Heidegger se encaixam nesta categoria, e há um traço mistificador aí, nesta absurda preocupação pelo fechamento, pela minúcia, pela arquitetura meio rococó, em que a complexidade está tanto no grande plano quanto no detalhe do adorno. Este é o contrário também da grande literatura, em que necessariamente temos a profusão, e o detlhe, e o adorno, mas também a redudância e a repetição daquilo que seja o "isso" do autor como um vício amoroso do estilo. Por trás de Dom QUixote temos sempre a alienação, por trás de Shakespeare sempre a reflexão sobre o poder e a pulsão, sobre desejo, enfim, e isso em qualquer outro grande autor, com seus vícios e dilemas.
Mas em Lacan, qual seria ete mínimo possível que move a obra? Talvez o gozo ou o "Grande Outro", ou o objeto "a", e de fato estes conceitos cercam sua obra e servem como nós de comunicação com outros e outras experiências, como numa sucessão de mutações. Mas parece sempre necessário, ou pelo menos é isso o que a intuição diz, ler todos os seminários escritos para que a promessa nunca cumprida de um sentido, ou pelo menos uma igualdade terminológica qualquer, como a=c, seja atingida. Obviamente, este não-fechamento será também uma virtude estilística, o que levará o estudo de Lacan ser mais um sacerdócio e uma exegese (como o de Hegel e de Heidegger, aliás) do que propriamente um exercício ou um diálogo, e seria aí que estaria a generosidade do gênio e talvez sua garantia de permanência, mas quem saberá dessas coisas? O argumento de que o objeto do texto é complexo me parece falso. E, enfim, há Freud, que se repete a cada livro e que se dá à leitura sem a necessidade de malabarismos.