"Noites do Sertão" pertence àquele gênero de narrativa burguesa, sutil e psicológica, mas com o sabor da linguagem de Rosa. São 2 novelas menores, em relção tanto aos contos e a Grande Sertão, que são obras-primas, como de Manuelzão e Urubuquaquá. Isto é dito como uma forma de situar o local das obras, pois são grandes livros de qualquer maneira.
A particularidade das duas é uma pegada psicologizante, com a utilização de um recurso raro em Rosa que é a vocalização dos fluxos de pensamento. Funciona bem, mas há uma perda aí, como uma espécie de ceticismo em relação ao poder da narrativa: o efeito é percebermos a todo instante que estamos no jogo narrativo, que aquilo são personagens. A meta-discussão é feita geralmente de uma forma mais poderosa em Rosa, mais radical, talvez, que geralmente nos induz que a narrativa é a vida. Em "Noites do Sertão" não temos esta dimensão.
Ambas novelas são uma discussão sobre o amor e a sexualidade, de forma sutil como não poderia deixar de ser em um mestre como Rosa, mas ligeiramente mais explícito do que no resto de sua obra. A primeira,"Dão-Lalalão, é a história de um casal, um vaqueiro e uma ex-prostituta. Há ainda os traços do idealismo de Rosa - eles se apaixonam à primeira-vista, ele a retira do bordel, são felizes, ela é subserviente, etc. Este não é um idealismo raso, pois, como talvez em o "Livro dos prazeres", de Clarice, temos os aprendizado de uma alteridade amorosa que não é destrutiva, ou seja, o aprendizado da felicidade. Soropita, o vaqueiro, é testado na memória e na peripécia da novela, o encontro com um antigo companheiro que poderia reconhecer a ex-prostituta em sua esposa, é testado a provar seu amor por Doralda. Em nenhum momento ele a despreza ou se arrepende, e é neste curto-circuito que Rosa cria a tensão, pois qualquer outro autor não resistira à tentação de explicitar o conflito de trair o outro diante de uma humilhação. E nesta fidelidade, que se dá também através da audição do passado de Doralda e da exigência de seu próprio desejo, e, finalmente, à consciência de uma amor físico e dos ritos deste amor, nesta fidelidade temos o cumprimento da felicidade humana.
Falta ainda na tradição crítica pensar a função deste idealismo em suas várias dimensões na grandeza de Rosa. Em parte é trabalho antipático, pois nos abrigaria talvez a concluir que este idealismo e seus mecanismos ás vezes reacionários - conservadorismo político e social, celebração do arcaico, oposição ao câmbio, o terror à transformação - são exatamente o que permitem criar a tensão narrativa diante do oposto destes atributos. O dom de Rosa para nossa cultura, para além de sua linguagem, talvez passe pela conclusão bastante madura de que a única maneira de construir (e celebrar) uma alteridade e um mais além, seja erótico, seja político, é aderir à grande tradição do Ocidente, ao idealismo. É a homofobia de Riobaldo que permite dar a dimensão plena da homessexualidade, é o travestismo de Diadorim que aponta para uma feminilidade plena. Esta grandeza do negativo só é possível por sua genialidade, sua genialidade só é possível porque seu pensamento só concebe estes concertos a partir do idealismo ocidental.
A segunda novela, "Buriti", é uma espécie de reencenação das "Afinidades Eletivas" com as trocas de casais e liberdade sexual que não destrói, mas libera. O grande tema da novela, diferente de Dão-LAlalão, não é a felicidade, mas sim o desejo. A alegria do desejo, talvez, e o que então é raríssimo em Rosa, a ênfase na natureza do desejo feminino. Há um óbvio traço freudiano na narrativa, com as referências ao grande Pai arcaico, ao incesto e à homosexualidade (feminina). "Buriti" é uma espécie de exploração das fantasias freudianas e seu jogo com o universo do próprio Rosa. Há certo ganho e certa perda, especialmente devido ao efeito que provoca o lento afastar-se da "normalidade" superficial para o profundo do desejo, que é um movimento contínuo, quase como uma câmera. A impressão que fica é que "Buriti"é uma tentativa de experimentação por parte de Rosa com a literatura que vinha começando a surgir após o fim do modernismo e do período heróico do regionalismo, especialmente com gente como Clarice, Lúcio Cardozo ou Dyonélio Machado.